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quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Esta é a mulher que eu sou,
sozinha ao aproximar-se o inverno,
começando a compreender o outono,
o lamento do céu
e as fracas mãos de cimento.

O tempo passou,
o tempo passou.
São quatro da tarde
e o trimestre do inverno
principia hoje.
Escuto às escondidas momentos, estações.
O salvador dorme no túmulo
enquanto a terra tranquilamente acena.

O tempo passou e o relógio deu as quatro horas.

O vento persegue a vereda,
persegue a vereda.
Eu penso em flores mutiplicando-se
e botões em hastes vestigiais,
nesta época cansada e tuberculosa.

Junto às árvores húmidas um homem vira-se.
Ramos de veias como cobras mortas
coagulam no seu pescoço e na sua têmpora
uma palavra palpita como sangue:
"Olá, olá!"
(penso em flores multiplicando-se.)

Ao aproximar-se o inverno há funerais
para espelhos e suas pálidas memórias.
A tarde pondera o seu silêncio.
Como se pode gritar alto
para alguém assim
(virando-se lentamente, sem objectivo),
alguém que nunca viveu,
alguém que não vive?

O vento agita a rua
e os velhos corvos vivem sós,
voando em círculo sobre os antigos pomares.
A escada ousada é mesquinha, afinal.

Quem roubou a capacidade de acreditar
nos castelos dos contos de fadas?
O que poderá levantar agora alguém
para dançar ou deixar cair o cabelo infantil
nas correntes? Quem pisa a maçã finalmente saboreada?

Caro amigo, que nuvens
descem para regozijo do sol?

Dos contornos verdes do pensamento,
ao contemplar o voo,
um dia um pássaro ergueu-se,
as folhas tremeram
no sopro decidido do vento.
Aquela luz violeta na janela
era apenas a imagem de uma candeia.

O vento escuta atentamente no beco
tal como fez no dia em que as tuas mãos morreram.
O dia traz consigo desolação.

Queridas estrelas de papel, quando as mentiras
fervilharem no céu, que conforto
haverá nos versos dos loucos profetas?
Encontrar-nos-emos como os mortos milenares.
O sol julgará a nossa putrescência.

Estou fria, fria,
e não mais sentirei
calor algum.
Ó bem-amado, os peixes
estão a mordiscar a minha carne
onde me tens cativa no fundo do oceano.
O tempo pesa tudo em redor.
Brincos de madrepérola
furam-me. Estou fria.
Eu sei que até os sonhos
de uma papoila selvagem redundam
nalgumas gotas de sangue.
Eu suspendo linhas e números
e de uma limitada geometria
fujo, gozando o vasto espaço.
Estou exposta, como as pausas
numa declaração de amor,
esse amor que me fez mal.

Eu construí este barco insular
debaixo de tempestades e krakatoas:
da mais ínfima partícula estilhaçada
pode nascer o sol.

Saúdo-te, noite inocente!
Os olhos dos lobos nómadas
transformas em cavidades
de fé e despida confiança.
Ao longo dos teus bancos os salgueiros
cheiram os gentis machados que se aproximam.
Eu abandonei este leito de serpente,
o mundo descomprometido
das palavras e dos sons
onde batem os pés das multidões
e as pessoas oferecem o seu beijo
enquanto atam o nó da tua forca.

Saúdo-te, noite inocente!

Mas por que não olhei eu?
Havia uma janela
e uma vista apartada.
Junto às árvores húmidas um homem virou-se,
a minha mãe tinha estado a chorar,
porém eu não vi nada.
Nessa noite tornei-me a noiva
das acácias quando o meu marido
regressou e ficou diante
do espelho e me chamou.
A noite estava azul
por causa dos azulejos de Isfahan.
A dor deu-me colo e eu concebi.
Ele ficou de pé puro e resplandecente
como um espelho mas subitamente
eu estava casada com os ramos das acácias.

A minha mãe tinha estado a chorar.

Pela janela nada chegou
e a felicidade inteira percebeu
que as tuas mãos morreriam.
Eu não vi nada
até as quatro horas terem sido dadas
pelo desgraçado cuco.
De olhos como o ninho vazio
do roc, aquela mulher chegou,
escoltando até ao enterro
a minha adolescência, encrustada na noite.

Quando levará o vento o meu cabelo?
Quando plantarei eu amores-perfeitos na fronteira
e gerânios na janela do céu?
Quando voltarei a dançar
no rebordo dos copos?
Quando conduzirá a campainha da porta
a uma voz iminente?

Eu disse à minha mãe que tudo terminara.
Eu disse: "Acontece mais cedo do que se pensa.
Temos de enviar condolências
para a página de necrologia."

E aí vem ele, o pateta presunçoso,
os seus dentes mastigando salmos,
o seu olhar devorando-te.
Junto às árvores húmidas ele vira-se
(lentamente, sem objectivo).
São quatro horas.
Ramos de veias como cobras mortas
coagulam no seu pescoço e na sua têmpora
uma palavra palpita como sangue:
"Olá, olá!"
(Alguma vez cheiraste
quatro lírios azuis assim?)

O tempo passou,
o tempo passou,
e a noite caiu sobre a acácia revelada,
recolhendo por trás das vidraças da janela
as últimas coisas do dia.
Onde estive eu,
o cheiro da noite ainda sobre mim,
o túmulo ainda fresco com terra
para aquelas mãos mortas...?

Tão gentil foste
na maneira como mentiste,
na maneira como fechaste
os olhos abertos do espelho.

Arrancaste os candelabros às hastes de arame
e levaste-me aos campos prazerosos
na escuridão cortante
onde um pequeno rasto de vapor,
debaixo das intermináveis rodopiantes estrelas
de papel, era tudo o que restava
da pressa de uma sede.

Quem traduziu a fala em som,
quem tornou a vista pública,
quem reclamou o cabelo acariciado?
Aqui está a alma -- olhai! --
de alguém que falou destas coisas,
alguém que lançou um olhar,
alguém pacificado por uma carícia.
Martirizada pelas farpas da ilusão,
ela carrega as marcas dos teus
cinco dedos na sua face.

Em que consiste o silêncio,
ó bem amado, senão no não dito?
A minha fala prolonga-se nos pardais
e no furor da natureza.
A primavera, diz ela, está aqui
com folhas e brisas perfumadas.
O chilreio morre nas fábricas.
Quem dá corda ao seu relógio habitual,
subtraindo e dividindo,
nos caminhos do céu?
Quem ignora o canto do galo
excepto enquanto seu sinal para o pequeno-almoço?
A coroa do amor está na sua testa
enquanto os trajes de casamento apodrecem por todo o lado.

Então o sol não iria conceder
o mesmo final feliz
a ambos os pólos desesperados.
O brilho dos azulejos abandonou-te,
mas eu pairo ainda com tal plenitude
que a minha voz é um telhado
no qual o povo realiza as suas orações.

Pessoas tão satisfeitas, mortas.
Mortas, e infelizes.
Caladas, inteligentes, mortas.
Bem vestidas, bem alimentadas.
Sociáveis, mortas.
Nas gares da estação, com luzes
que facilmente tremelicam, frutos
apodrecem em suas ansiosas mãos.
Tão preocupadas estão
com os perigos de um cruzamento,
porém é aqui, ao soar o apito de paragem,
que um homem deve ser esmagado
pelo abrandamento do trânsito.
Junto às árvores húmidas um homem vira-se...

Onde estive eu?

Eu disse à minha mãe que tudo terminara.
Eu disse: "Acontece mais cedo do que se pensa.
Temos de enviar condolências
para a página de necrologia."

E agora eu acolho uma nova
presença da solidão.
Eu rendo o meu quarto.
Por que são sempre as nuvens escuras
prenúncios de pureza,
os sofrimentos de uma vela
uma suspeita cujo derreter
é mais brilhante na ponta?

Confiemos, confiemos
nesta aproximação do inverno,
este murchar das árvores cheias de fruto,
foices deixadas de lado,
sementes encarceradas.
Olha como a neve cai...

Debaixo dessa neve
estão as tuas jovens mãos.
Mas no próximo ano a Primavera deitar-se-á
com o céu por baixo da janela,
e os verdes caules ramificar-se-ão, transportando a flor,
a partir do seu corpo, ó bem-amado.

Confiemos na aproximação do inverno...




Forugh Farrokzhad




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6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

estou sem palavras...
mas consigo agradecer-te este poema.
um beijo

5/2/09 12:25  
Anonymous Anónimo said...

profundo, a cereja no topo. da foto.


Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO

5/2/09 14:04  
Blogger Carlos Lopes said...

A descoberta do ano: este blog! Absolutamente fantástico. Vai já directo para a barra dos "favoritos" do meu.

Parabéns.

5/2/09 18:41  
Blogger rff said...

Agora é mais esperar pela aproximação da primavera...

Gostei.

Saúde

5/2/09 20:32  
Anonymous Anónimo said...

sem palavras. sem respiração. sem nada.

"Por que são sempre as nuvens escuras prenúncios de pureza"

vou reter para mim. eu. homem fazedor de nuvens com antenas.. e eu bem digo, que um dia destes matas uma pessoa do coração. já esteve mais longe...

5/2/09 23:29  
Blogger lebredoarrozal said...

:)*
obrigada:)

6/2/09 01:45  

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