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sexta-feira, outubro 21, 2016

Arrasto uma cadeira para mim
e outra para os meus problemas
neste café onde os velhos mastigam
o declínio do país, mortes e futebol
e histórias de médicos que se esquecem
de luvas, tesouras e relógios
nas entranhas dos doentes.

Pergunto-me se esta azia, se os blues diários,
a arritmia e o sangue gordo
são o resultado da tua última operação;
se entre tantas cirurgias de peito aberto,
terás deixado para trás um corpo estranho
debaixo da ponte que carrego
entre o coração e o ventre.

(Se me abrisses, verias que sou tão oca
como as bonecas russas.)

Quero dizer aos velhos que também eu
sou um milagre da medicina,
que aguento dia após dia
estas pequenas negligências domésticas
de cortar a bisturi entradas na derme
e espalhar aqui e ali
pequenas sementes inférteis.



Ana Bessa Carvalho



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